Projeto de lei sobre aborto gera onda de protestos

Proposta poderá ser votada pelo plenário da Câmara dos Deputados, sem passar por comissões

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O PL 1904/2024 gerou uma onda de protestos no Brasil. Foto: Paulo Pinto / Agência Brasil

Por Tatiane de Sousa / Jornalista

Projeto de lei assinado na última semana por 32 deputados, qualifica o aborto após as 22 semanas de gestação como homicídio simples. Tanto o profissional responsável pela cirurgia como a gestante podem ser enquadrados no Código Penal. O PL 1904/2024 gerou uma onda de protestos no Brasil e discussões a respeito do tema inclusive fora do País.

O argumento dos que são contra a interrupção da gravidez tem geralmente como base crenças religiosas. Para quem defende a liberdade de escolha sobre o seguimento da gestação ou não, os motivos apontados se baseiam em questões que vão desde a saúde a responsabilidade do Estado e da sociedade.

O aborto é permitido, até agora, em casos de estupro, risco de vida à gestante e se constatada anencefalia do feto sendo considerado um direito da mulher e não há enquadramento com pena prevista no caso de interrupção da gestação. Para que a cirurgia seja realizada a mulher deve procurar um serviço de saúde autorizado, no entanto, as questões burocráticas e legais muitas vezes não permitem que a interrupção aconteça até a 22ª semana da gravidez.

No Brasil, de acordo com o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública do primeiro semestre de 2023, o Brasil registrou no período um estupro a cada oito minutos sendo que 61,4% das vítimas tinham até 13 anos. O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES, alerta que dar seguimento a uma gravidez nas meninas é interromper a infância especialmente das mais pobres e condena-las a até 20 anos de prisão enquanto a pena prevista para condenados por estupro é de até 10 anos.

Várias entidades lançaram o movimento “Criança Não é Mãe” lembrando que menores de 14 anos vítimas de abuso sexual só identificam, denunciam e têm reconhecido o estupro após a metade da gestação o que inviabilizaria o aborto.

A proposta ainda esbarra no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. A Lei Federal de 1990 estabelece que a criança não pode ser submetida a negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão por ação ou omissão. Considerado um marco na tomada de decisões pela infância, o ECA responsabiliza o Estado e a sociedade pelo bem estar de crianças e adolescentes deixando claro que o menor não pode ser punido individualmente por seus atos.

Com a nova lei, a menor gestante é obrigada a seguir com a gravidez sendo punida tanto de forma física como psicológica levando o fruto da violência por 40 semanas e as marcas desse contato pela vida toda.

Para os que defendem o seguimento da gestação, a argumento é que após o nascimento, a mãe pode optar por entregar a criança para adoção. A questão, no entanto, não é tão simples: dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, apontam que quase 5 mil crianças e adolescentes esperam pela adoção no Brasil. Enquanto isso, elas estão abrigadas em instituições ou em famílias acolhedoras.

Apesar de 36 mil pretendentes estarem em busca de um “filho”, algumas dessas crianças e adolescentes jamais serão escolhidas: de acordo com dados, o perfil mais procurado para integrar as famílias são crianças brancas e as que estão na primeira infância. No entanto, quase 70% dos que esperam adoção são pardos ou pretos e cerca de 2.300 têm mais de 12 anos. Enquanto esperam a responsabilidade é do Estado.

A discussão, portanto, não pode e não deve ser simplificada. Sob o ponto de vista inclusive religioso garantir a vida vai bem além do direito ao nascimento. O desenvolvimento integral em condições dignas de existência são obrigações do poder público nas suas instituições legais, mas também deveria ser a sociedade que defende sob quaisquer circunstâncias o prosseguimento da gravidez.

Para além da garantia de nascer, vítimas da obrigatoriedade da gestação, deveriam ter também garantidas como descrito no ECA os direitos “fundamentais à pessoa humana” que passam pela alimentação, saúde, segurança, educação, lazer e na “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral”. Aos bebês que nascem em condições tão adversas estão assegurados esses direitos? Há proteção contra a discriminação, violência, pobreza? As estatísticas mostram que não.

Historicamente a mulher é obrigada a gestar, criar vínculo e criar. Por que não há leis que obriguem homens a permanecer ao lado dos filhos garantindo à vida de forma contínua? Não seria hora de incluir também essas questões na legislação?

O Projeto de Lei teve requerimento de urgência aprovado e pode ser encaminhado à votação em plenário sem passar por comissões. Se for aprovado, o PL ainda passará pelo Senado e Presidente Lula pode sancionar ou vetar a proposta.

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