por Tatiane de Sousa – jornalista
Os ataques do Hamas – Movimento de Resistência Islâmica – no sul de Israel, nas últimas semanas, foi uma surpresa, mas não pode ser considerado fato inesperado pela história das disputas territoriais e políticas na região. As relações na zona árabe nunca estiveram tranquilas. Imagens e relatos chocantes do que se sucedeu desde o primeiro ataque em 07 de outubro, levantaram questionamentos e revolta em todo o mundo diante da crueldade das ações consideradas terroristas. No entanto, historicamente, esses fatos já aconteceram em outros períodos também contra a comunidade palestina da qual o grupo extremista faz parte, apesar de não representar a maioria dos palestinos.
Para entender melhor o que está ocorrendo, é preciso voltar no tempo e retomar a origem e histórico deste conflito. Um dos marcos mais importantes dessa disputa remonta a criação do Sionismo, movimento político do século XIX que defendia a autodeterminação do povo judeu e um Estado nacional judaico no território onde existiu o antigo Reino de Israel. No local, já estavam os palestinos que estavam em poder turco-otomano. Sionistas começaram a comprar algumas terras e assentar colonos judeus na região.
“Essas primeiras levas de migração não foram um problema porque eram apenas cerca de 20 mil pessoas, mas o cenário ficou mais complicado a partir da 1ª Guerra Mundial porque os britânicos estavam de um lado da guerra e o império turco otomano do outro, e para conseguir apoio na guerra, britânicos fizeram acordos tanto com judeus como com árabes, acordo esses que não conseguiram cumprir porque eram incompatíveis: não era possível garantir um grande estado árabe e assentar os judeus lá na Palestina”, explica Denise De Rocchi, doutora em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa sobre Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima/UFRGS).
No período entre a 1ª e 2ª Guerras Mundiais, britânicos ganharam mandatos da liga das nações e a área que cabia aos britânicos englobava a área da palestina. A perseguição aos judeus aumentou durante a segunda guerra e mais levas de hebraicos quiseram migrar para a Palestina. Neste contexto, britânicos tentaram limitar e manter o controle estabelecendo um número cotas de migração o que provocou mais divergências.
Na 2ª Guerra, britânicos limitaram o ingresso de judeus na palestina e sauditas e egípcios com poder do petróleo também corroboraram essa imposição. Isso inflou movimentos mais radicais que queriam a saída dos britânicos do comando.
Acompanhe a sucessão dos fatos históricos:
1947: As Nações Unidas, presidida pelo Embaixador brasileiro Oswaldo Aranha, aprovou o Plano de Partilha da Palestina.
1948: Parlamento provisório britânico sobre a Palestina declarou independência do Estado de Israel. Na sequência, começou a guerra chamada de Guerra da Independência por israelenses e Tragédia por palestinos. Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita atacaram Israel em rejeição ao Plano de Partilha da Organização das Nações Unidas (ONU).
1949: Armistício depois de forças judaicas desbaratarem exércitos árabes e estabelecerem novo mapa de separação de terras no território. Muitos palestinos viraram refugiados e muitos israelitas foram enxotados de países árabes.
1967: A movimentação de militar de forças árabes nas fronteiras motiva Israel a uma ofensiva na região do Sinai e n faixa de Gaza, Jordânia e Síria. Após a guerra a população palestina se infla ainda mais.
Na disputa por território, o que aconteceu foi a chamada pelos palestinos de “Nakba”, a expulsão ou fuga de muitas dessas famílias do território e a defesa atual do que eles chamam de marcha do retorno, a volta para essas terras. A legislação de Israel criou nesse contexto histórico, criou um incentivo para que judeus que estavam dispersos pelo mundo fossem para o novo Estado garantindo a cidadania deles. A partir daí, aconteceram outros conflitos e a expansão dessa ocupação israelense na região e aí o impasse se formou.
O “Nakba” acontece todos os anos em 15 de maio e essa é a data em que palestinos saem as ruas com chaves que representam a “expulsão há 75 anos. as chaves das casas das quais foram expulsos há 75 anos, e para as quais nunca puderam retornar. Árabes acusam sionistas da evacuação dos palestinos em 1948 enquanto israelenses dizem que os países árabes pediram a saída dos palestinos. Ainda hoje, mais de 5,9 milhões de refugiados palestinos, vivem em acampamentos na Jordânia, Gaza, Cisjordânia, Síria, Líbano e Jerusalém Oriental segundo informações da ONU.
Como chegar à paz
As perguntas principais neste momento em todas as partes do mundo são quando e de que forma pode-se chegar à pacificação dos conflitos naquela região. Denise De Rocchi lembra que como aconteceu na luta contra o colonialismo em vários territórios, nem tudo foi feito de forma pacífica.
“Em muitos locais perceberam que só através da negociação política não estavam conseguindo seus objetivos. Então, quando parte da população se sente alijada de seus direitos, não consegue ter participação política de outra forma, acaba usando o caminho da força, da violência para conseguir derrotar o outro grupo e atingir objetivos”, diz.
Ela acrescenta que em muitos países foi necessário ter negociação que se permitisse baixar as armas e incorporar o grupo que era beligerante nas negociações como na Irlanda com o IRA, na Espanha com o ETA e na América do Sul com as FARC permitindo que anistiados poderem participar na negociação.
Organizações ligadas a direitos humanos e assistência humanitária temem que o governo Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, possa promover uma espécie de ataque em massa em Gaza em represália ao Hamas e cabe causando mais mortes e expulsão da população fixa da região. O entendimento desses mecanismos é que que o do poderio militar e a tentativa de aniquilar o inimigo só prolongue o ciclo de violência.
“Tem também uma falta de mecanismos no cenário internacional de forçar a implementação dos acordos realizados. A gente já está vendo um aumento do preconceito e da violência física ou verbal contra pessoas identificadas como palestinas e israelenses. Isso não acontece só no local dos conflitos, mas também em outros países onde essas pessoas estão vivendo e estão nessa diáspora. Temos todo uns estereótipos sobre árabes, sobre a população islâmica sobre a comunidade judaica, coisas muito anteriores a esses conflitos e que agora tem uma faísca que faz isso emergir nesse momento”, acrescenta a pesquisadora Denise De Rocchi.
O Índice de Opinião Árabe de 2022, pesquisa realizada no segundo semestre do ano passado com mais de 33 mil pessoas em 14 países árabes pelo Centro Árabe de Pesquisa e Estudos Políticos em Doha, Catar, apontou que 76% das pessoas ouvidas entendem que a questão política-territorial na região é um problema de todos os árabes e não só dos palestinos. 84% dos que responderam ao questionamento disseram que se oporiam ao reconhecimento diplomático de Israel por parte de seus países enquanto numa lista de países, 38% consideram Israel uma ameaça a segurança do mundo árabe e 20% apontaram EUA como um perigo. O motivo é a vinculação do desrespeito a acordos territoriais firmados e que não são cumpridos.
O estudo mostra que o conflito vai muito além de uma disputa e um risco para palestinos e israelenses. Israel é um dos estados menos populosos de toda a região, no entanto, sofre com essa falta de aceitação pelos países árabes que estão no entorno. Essa falta de boa convivência e aceitação põe em risco constante a sustentação do Estado.
“Nota-se quando o conflito é analisado na perspectiva histórica, se percebe que o colonialismo prejudicou a região invés de criar um entendimento fomentou a disputa entre as partes e nota-se também a fragilidade dos palestinos que encontraram menos apoio e respaldo na comunidade internacional. O apoio dos EUA a política israelense tem impacto que hoje se vê que o acordo de territórios não foi respeitado e sem que haja sanções que faça com que o governo israelense cumpra esses acordos e distensione a situação. Há medo da violência, mas isso também acabou sendo capitalizado pelo governo do Benjamin Netanyahu Primeiro-ministro de Israel, para ele seguir com essa política que agora está mostrando que tem um esgotamento, que não resolve o problema. Então fica Israel com preocupação constante com segurança pelas relações frágeis com todos da região”, analisa a pesquisadora.
Papel do Brasil na Guerra
O Brasil é um dos países que mais acolheu populações árabes no mundo e também tem uma comunidade judaica muito numerosa. Além disso, tem capacidade e qualidade diplomacia reconhecida, sendo que sempre participou das discussões em órgãos multilaterais e reivindicou participação e negociações. O país costuma ser aceito como mediador por não se envolver no conflito tomando parte por um dos lados, mas negociando a paz.
“Estamos numa segunda onda de guerra que sacode a opinião pública brasileira: teve questão da Ucrânia e agora de novo. Algumas pessoas acham que a forma de solucionar o problema é tomar um dos lados, mas a diplomacia tenta colocar as duas partes para conversar na mesa de negociação, sem se posicionar. Às vezes, vendo cenas tão chocantes, as pessoas ficam revoltadas e querem uma resposta dura e imediata contra os responsáveis pelo que elas estão vendo”, explica a professora.