
Os dados sobre desigualdade racial no Brasil revelam um cenário alarmante: vivemos de maneira desigual e adoecemos de maneira desigual. E isso tem como um dos principais motivos a cor da nossa pele. As estatísticas escancaram as diferenças de acesso à saúde, educação e oportunidades, mas há algo que não pode ser quantificado e que também adoece – a construção da identidade dentro de um sistema historicamente opressor.
O que adoece a população negra no Brasil? Desigualdade, relações de trabalho precárias, violência cotidiana, ausência de oportunidades? Sim, tudo isso. Mas também um apagamento histórico e simbólico que atravessa gerações e molda subjetividades. O adoecimento psíquico da população negra está diretamente relacionado a um processo de colonização que impôs uma identidade excludente e um modelo de pertencimento baseado no que o colonizador definiu como correto, belo e aceitável.
O pensador Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo martinicano, explorou essa questão em sua obra Pele Negra, Máscaras Brancas, na qual analisa os efeitos psicológicos do colonialismo na população negra. Fanon aponta que, para ser aceito e sobreviver dentro de um sistema branco e eurocêntrico, o negro muitas vezes adota uma “máscara branca” – um comportamento moldado pelos padrões e expectativas do opressor. Esse processo, no entanto, cobra um preço alto: a perda da autenticidade, do reconhecimento da própria identidade, e o consequente adoecimento psíquico.
O conceito de Fanon dialoga diretamente com a teoria do falso self, de Donald Winnicott. Para o psicanalista britânico, o adoecimento ocorre quando o sujeito não pode ser verdadeiro consigo mesmo, quando precisa construir uma identidade artificial para ser aceito pelo meio em que vive. É exatamente isso que o colonialismo impôs aos negros: a necessidade de abandonar sua cultura, seus traços e sua história para ocupar um espaço social minimamente respeitado. Mas como sustentar uma existência que não é sua? Como viver carregando a identidade de outro?
Esse processo parece ser um suicídio simbólico. O sujeito negro, para pertencer, precisa negar partes essenciais de si. Mas quem realmente o mata? Quem determina que sua cultura, seu modo de ser e de existir não têm valor? Não é um ato individual, mas um sistema de poder que há séculos mantém as mesmas engrenagens funcionando.
Para aprofundar essa discussão, no episódio desta semana do Psi Por Aí, converso com Rodrigo Sabiah – educador social, egresso do sistema penitenciário, palestrante motivacional, reciclador, poeta e escritor. Sua trajetória é exemplo de resistência e ressignificação da identidade negra em um país ainda marcado pela herança colonial.
Ouça no Spotify.
- Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br