“Criei coragem e decidi que não podia me calar”, diz vereadora de Xangri-Lá agredida pelo marido

“Minha filha de seis anos viu tudo e a de 13 foi quem limpou meu sangue". disse Vivia Quadros ao Litoral na Rede

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Foto: Divulgação / Acervo Pessoal / Vivia Quadros

Um casamento de 20 anos se transformou em um pesadelo para Vivia Quadros, 37 anos, vereadora do município de Xangri-Lá. Na última semana ela usou as suas redes sociais para tornar públicas as agressões que vinha sofrendo do então marido.

Por volta das 19h40 da última quinta-feira (23), a vereadora eleita com 332 votos no pleito de 2020 começou uma transmissão ao vivo, em vídeo [assista no final da reportagem], e manifestou-se publicamente, pela primeira vez, sobre o ocorrido.

Com a voz embargada e um curativo no nariz – consequência da agressão mais recente que sofreu, Vivia iniciou a denúncia pública contra o ex-marido. A publicação já alcançou mais de 20 mil visualizações. “Quem me conhece, quem está por dentro da minha história, sabe quem eu sou. O quanto eu relutei para fazer isso que estou fazendo aqui. Eu vivi 20 anos com meu ex-companheiro. 20 anos que não posso dizer que foram ruins, seria hipócrita dizer isso. Um pai maravilhoso, honesto e trabalhador. Mas eu sempre omiti muitas coisas, me sentia culpada pelo que acontecia”, iniciou a vereadora.

O que acontecia, nas palavras dela, eram as agressões verbais e físicas contra ela. Vivia contou que a violência teve início ainda no começo da relação, e que há oito anos, após ter descoberto uma traição do marido, elas se intensificaram. Ela menciona que quis pedir o divórcio, por diversas vezes, mas o medo de afastar do pai as duas filhas que tiveram juntos – uma de seis e outra de 13 anos – a fazia repensar a decisão. “A gente acha que pode mudar, que pode moldar. Eu crio meninas fortes. Eu crio duas mulheres para o mundo que não podem aceitar serem agredidas de jeito nenhum”, ponderou, bastante emocionada.

A gota d’água e a coragem para denunciar

A coragem da Vivia em denunciar as situações violentas que alega ter sofrido veio após a agressão sofrida na última quarta (22). Num ataque de ciúmes, o ex-marido teria acertado o nariz da então companheira com a própria cabeça. Com o choque, a vereadora alegou ter desmaiado. “Levei três pontos no nariz. Eu desmaiei, fui arrastada para dentro do quarto. Minha filha de seis anos viu tudo e a de 13 foi quem limpou meu sangue do chão. Quando acordei elas me contaram tudo e eu disse ‘chega’. Criei coragem e decidi que não podia mais me calar”, narrou. O homem fugiu de casa logo após a agressão e, segundo Vivia, não tentou mais nenhum contato com ela. “Através de terceiros ele pediu alguns pertences seus, os quais foram entregues”, contou.

A vereadora admite que vivia num relacionamento doente. Além da violência física – que incluía apertões nos braços, puxões de cabelo e tapas – ela confessa que sofria também violência psicológica. Frases ameaçadoras como “se tu se separar vai ver o que vai acontecer” e “se tu não fizer o que eu peço vai ver o que vai acontecer” se tornaram frequentes. Até mesmo boatos mentirosos sobre ela publicados em páginas da internet teriam virado motivo para agressões. “Ele dizia que minha entrada para a política mudou a minha cabeça. Mas eu continuo sendo a mesma. As pessoas pensam que política dá muito dinheiro, mas eu acordo às seis da manhã e vou fazer faxina para sustentar minhas filhas”, desabafou a zeladora que, paralelamente às atividades na Câmara, trabalha fazendo faxinas em residências.

Vereadora Vivia Quadros discursa na sessão da última segunda-feira. Foto: Reprodução / Redes Sociais / Câmara de Vereadores de Xangri-Lá

Empoderamento que incomodava

Em conversa com o Litoral na Rede, no último sábado (25), a vereadora relatou que a entrada na política e a consequente exposição pública ampliaram o nível de ciúmes do ex-marido. “[Para ele] qualquer homem que se aproximava de mim era meu amante. Muitas vezes frequentávamos locais públicos onde eu sorria e ele estava no meu lado perguntando porque eu sorria ou estava olhando para tal pessoa. Ciúme possessivo, do nada, invenções de uma cabeça doentia. [Ele] via coisas onde não existia. Me afastou de amigos, familiares, do meu crescimento profissional, tirou o meu foco e, o pior de tudo, ele me afastou de mim mesma”, contou Vivia.

Ativista de causas voltadas à defesa da mulher, Vivia é autora da proposta que criou o Conselho Municipal da Mulher e a Semana da Educação e combate a atos de violência contra a mulher em Xangri-Lá, além da sugestão de resolução para criação da Procuradoria da Mulher dentro do Legislativo. “A primeira bandeira que levantei após a eleição foi a defesa das mulheres. Seria demagogia eu lutar tanto pelo fim da violência contra as mulheres e ficar calada com isso acontecendo dentro da minha casa”, refletiu. “Talvez hoje não estivesse aqui para contar história. Seria mais uma estatística. Mais uma mulher que foi agredida pelo companheiro que não aceita o fim do relacionamento. Mas agora foi o ‘basta’. E através disso posso estar salvando outras mulheres”, acrescentou.

Para que casos como o seu não se tornem ainda mais frequentes – e, principalmente, para encorajar outras mulheres que sofrem violência doméstica, Vivia aconselha: “Não se omitam, como me omiti, por achar que era um bom pai, que minhas filhas não poderiam ficar longe dele”, suplica.

Ela cobrou que a sociedade reflita sobre o tema e que autoridades representativas se unam em defesa das mulheres. “Vamos parar de apontar o dedo. Quando uma mulher sofre violência, todas sofrem junto. Eu tive o privilégio de ter um advogado ao meu lado. Mas e quem não tem? O Poder Judiciário precisa acompanhar isso de perto. Ministério Público, Defensoria Pública. Todos de mãos dadas, parando de apontar o dedo”, pediu.

Apoio e apelo por acolhimento

Antes e durante a sessão ordinária da última segunda-feira (27), Vivia foi publicamente apoiada por assessores, funcionários, colegas de mandato e pela própria população, que assistia aos trabalhos empunhando cartazes com mensagens de apoio à vereadora. Ela voltou a se manifestar, dessa vez na tribuna, sobre o ocorrido na semana anterior, e apresentou uma proposição sugerindo a criação da Casa da Mulher Xangrilense, espaço que seria designado para receber vítimas de violência doméstica que, na ausência de um local específico para acolhimentos, acabam optando por buscar socorro em casas de parentes ou, quando não enxergam solução, acabam por relevar as agressões e desistir da denúncia.

Populares levaram cartazes com manifestações de apoio à vereadora. Foto: Divulgação / Acervo Pessoal / Vivia Quadros

Agressor na mira da justiça

Roland Short, delegado titular da DP de Xangri-Lá e responsável pela condução do caso, confirmou ao Litoral na Rede que o autor das agressões foi ouvido, como de praxe nestes casos. “Ela solicitou uma medida protetiva, que foi concedida pela justiça, e pediu para acrescentar novos elementos de informação, além dos prestados no plantão policial”, limitou-se.

O caso está sendo conduzido com base no nono parágrafo do artigo 129 do Código Penal brasileiro, que trata das lesões praticadas por cônjuge ou companheiro. A pena prevista, em casos de condenação, pode variar de seis meses a um ano de detenção.

Violência: se sofrer ou se souber, não se cale

A violência doméstica vai muito além da agressão física ou do estupro.  A Lei Maria da Penha classifica os tipos de abuso contra a mulher nas seguintes categorias de violência: patrimonial, sexual, física, moral e psicológica.

O Ministério Público, a Defensoria Pública, as unidades de saúde, os centros de referência em assistência social e as delegacias também são instituições que apoiam o trabalho em rede de atendimento a casos de violência doméstica familiar contra a mulher.

A Patrulha Maria da Penha, um dos projetos sociais da Brigada Militar, busca proteger e acolher mulheres e familiares em situação de violência doméstica. O serviço pode ser acionado pelo telefone 190 da BM.

Também é possível denunciar casos de violência contra mulheres pelo Telefone Lilás 0800-541-0803 e pela Central de Atendimento à Mulher, através do número 180.

Assista ao desabafo de Vivia, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, na última quinta: 

 

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