Trabalhar dá trabalho: quando o ambiente de trabalho adoece

Por Juliana Ramiro, psicanalista – colunista sobre saúde mental

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Imagem de Tumisu por Pixabay

Uma das queixas mais frequentes nos atendimentos de saúde mental é sobre o ambiente de trabalho. Não é surpresa. O sujeito traumatizado, em sofrimento, não sofre apenas em uma área específica da vida: o mal-estar se espalha, atingindo relações, corpo, rotina e, claro, também o espaço profissional.

A psicanálise nos lembra que a forma como aprendemos a nos relacionar com nossas primeiras figuras de cuidado – mãe, pai, cuidadores – tende a se repetir ao longo da vida. Levamos conosco os traumas, os modos de lidar com conflitos e os gatilhos emocionais para cada espaço que ocupamos. O trabalho, parte essencial da vida adulta, não escapa disso.

Trabalhar exige um certo motor interno, uma falta que move: quero algo que não tenho, e esse desejo me impulsiona a sair da cama e enfrentar o dia. Às vezes a motivação vem da própria realização profissional – mas, mesmo para quem ama o que faz, sempre haverá dias em que a força para seguir está mais ligada ao medo de perder ou à vontade de conquistar. Afinal, vivemos em um sistema capitalista que nos organiza pelo “ter”: ter salário, ter status, ter bens, ter mais.

Só esse cenário já seria suficiente para gerar sofrimento. Mas ainda precisamos lidar com outros fatores: longas jornadas, cobranças excessivas, metas inalcançáveis, assédios, baixos salários, repetição exaustiva de tarefas. Em muitos casos, o ambiente de trabalho se torna terreno fértil para o adoecimento psíquico e físico.

O capitalismo em que estamos inseridos se alimenta da nossa força de trabalho. Ao mesmo tempo em que exige produtividade, nos bombardeia com a promessa de que precisamos de mais: mais academia, mais cosméticos, mais tecnologia, mais remédios – tudo isso custando caro e demandando tempo que o próprio sistema não nos deixa ter. É uma engrenagem ambivalente, que nos prende num ciclo de esgotamento e sensação constante de fracasso.

E quando nos sentimos fracassados? Ou desistimos, ou adoecemos. E até a desistência vem acompanhada de culpa: a ideia de que “não dei conta”, de que falhei mais uma vez. O psiquiatra Gabor Maté, na obra escrita junto com o seu filho, O Mito do Normal, lembra que vivemos tempos de grande potencial: ciência, tecnologia e conhecimento avançaram muito, mas os frutos disso chegam até nós principalmente sob a forma de consumo e medicamentos, enquanto seguimos cada vez mais adoecidos.

Pensar sobre o que está por trás do nosso cansaço talvez não mude as engrenagens do sistema, mas pode mudar a forma como nos enxergamos nele, abrindo espaço para resistir, reinventar e, quem sabe, buscar um pouco mais de paz.

Te convido a refletir mais sobre este e outros temas acompanhando os episódios do Psi Por Aí, disponíveis no YouTube e no Spotify. E, claro, siga também o Psi Por Aí nas redes sociais. Aceito sugestões de temas! Até a próxima semana.

  • Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br

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