
Uma funcionária de uma rede de supermercados terá de ser indenizada por ser vítima de racismo no ambiente de trabalho. O valor da indenização, fixado em R$ 20 mil no primeiro grau, foi ajustado para R$ 30 mil. A decisão é da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS).
Durante os oito meses em que esteve na empresa, a trabalhadora afirma que relatou repetidas situações de humilhação e agressões verbais com teor racista. A funcionária, que exercia a função de embaladora, afirmou que uma cliente a chamava de “guria preta” e fazia comentários como “tu vai ter que puxar o meu carrinho, escrava”.
A vítima, que não teve o nome divulgado, também relatou que, apesar de informar as situações à gerência, as respostas teriam sido negligentes, com gestores alegando que “o cliente sempre tem razão” e não tomando nenhuma providência. Conforme o acórdão, a empresa se omitiu em coibir agressões raciais praticadas por uma cliente.
A rede de supermercados negou as acusações e argumentou, segundo o TRT, que não houve discriminação nem racismo no local de trabalho. A empresa sustentou que a trabalhadora não utilizou o programa de denúncias da rede, chamado “Conta Comigo”, e que, caso soubesse dos episódios, teria tomado medidas para cessá-los. O nome do estabelecimento e a cidade onde o caso ocorreu não foram confirmados.
Em julgamento na 16ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, a juíza Rachel Albuquerque de Medeiros Mello condenou a empresa a pagar R$ 20 mil por danos morais devido à omissão frente a situações de racismo e assédio moral sofridas pela trabalhadora. O julgamento, com perspectiva de gênero, destacou a violação dos direitos da trabalhadora, uma mulher negra, hipossuficiente, submetida à discriminação racial, agravada pela falta de ação da rede de supermercados.
A juíza afirmou, ainda, que o racismo estrutural e as múltiplas opressões sociais não podem ser ignoradas em contextos como o desta ação trabalhista: “o padrão se repete: mulher, negra e hipossuficiente”. O dano moral foi reconhecido pela violação da dignidade e autoestima da trabalhadora, atingindo sua honra subjetiva. Além disso, a magistrada citou as normas constitucionais e internacionais que garantem a igualdade e a proteção contra discriminação, ressaltando o dever do empregador de assegurar um ambiente de trabalho seguro e livre de discriminação racial.
Insatisfeitas com a decisão, as partes recorreram ao TRT-RS. A trabalhadora pediu aumento do valor da indenização, enquanto a empresa pleiteou a modificação da sentença. A 7ª Turma aumentou a indenização por danos morais para R$ 30 mil. A decisão foi fundamentada na omissão da empresa em coibir os abusos raciais e no reconhecimento do racismo estrutural.
O relator, juiz convocado Marcelo Papaléo de Souza, citou que “restou comprovado que, apesar de comunicada, a reclamada se omitiu quanto às violações sofridas pela autora”, destacando a falha da empresa em adotar medidas eficazes para proteger a trabalhadora.
O acórdão reafirmou a responsabilidade do empregador em garantir um ambiente de trabalho seguro e livre de discriminação, como prevê a Constituição e tratados internacionais. A decisão ressaltou que a omissão da empresa não só agravou o sofrimento da trabalhadora, mas também contribuiu para a perpetuação do racismo estrutural no ambiente corporativo.
Os magistrados concluíram que a reparação deve ter caráter pedagógico, visando desencorajar futuras práticas discriminatórias e reforçar a necessidade de mudanças estruturais nas organizações para combater o racismo e a discriminação no ambiente de trabalho. Cabe recurso da decisão.
Também participaram do julgamento os desembargadores Wilson Carvalho Dias e João Pedro Silvestrin.