Reforma tributária: o que o consumidor tem com isso?

Entenda as mudanças que estão sendo discutidas no Congresso Nacional

Compartilhe

IVA deve substituir tributos federais, estaduais e municipais sobre o cosumo. Foto: SefazRS / Arquivo

Por Tatiane de Sousa – Jornalista

A ideia da Reforma Tributária não é nova: vários governos falaram sobre o assunto e fizeram projetos que não saíram do papel. Nos últimos anos, foram discutidas três Propostas de Emenda Constitucional – PEC, todas focadas em criar um imposto unificado sobre os tributos pagos hoje sobre o consumo no Brasil.

O que é? A Reforma atual é a proposição de uma nova legislação que substitua o sistema em vigor, considerado complexo demais tanto para empresas como para os cidadãos. A necessidade de mudança é referendada por organismos internacionais que entendem o processo como fundamental para corrigir distorções do sistema tributário que atravancam o crescimento da economia brasileira.

O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Sérgio Gobetti, explica que na atual fase da reforma tributária, que está sendo votada no Congresso, vai haver mudanças em todos os impostos que estão embutidos nos preços das mercadorias e serviços que os consumidores adquirem.

“O ICMS, o ISS, o IPI e o PIS/COFINS serão substituídos por um modelo de tributação muito parecido com o que existe nos países europeus, em que existe o chamado IVA (Imposto sobre Valor Agregado) ou imposto sobre o valor adicionado, que é aplicado a todo o consumo, e apenas os produtos nocivos à saúde, como cigarro e bebida alcoólica, são tributados adicionalmente por um imposto seletivo, que foi apelidado no Brasil de imposto do pecado”.

Que impostos são esses? Os impostos a serem unificados são tributos pagos ao governo federal o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Programa de Integração Social (PIS) / Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); aos Estados o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e aos municípios Imposto Sobre Serviços (ISS).

O que muda e para quem? Para as empresas, a mudança é bem vinda porque vai reduzir a burocracia que impede inclusive novos investimentos no País. A malha atual é complexa e o recolhimento de tributos pela União, Estados e Municípios, muitas vezes cumulativos o que torna o processo confuso e difícil de rastrear. Para os consumidores, a principal modificação é que saberão exatamente quanto estarão pagando de imposto sobre as mercadorias e serviços que compram.

“Atualmente, isso é um mistério, pela quantidade de diferentes tributos, alíquotas e regras, de modo que nem mesmo as notas fiscais conseguem expressar exatamente quanto é a carga tributária embutida em cada produto. No novo modelo, haverá uma alíquota de referência nacional, em torno de 27%, e alguns bens e serviços, como alimentos, saúde e educação, terão alíquota reduzida de 11% ou isenção. No total, a sociedade continuará pagando a mesma carga tributária que hoje, mas a economia tende a se beneficiar da simplificação, gerando mais empregos e renda para todos nós”, ressalta Gobetti.

Para municípios e estados, a unificação do ISS (municipal) e do ICMS (estadual) não muda a fixação das alíquotas que continua sendo feita por cada ente, mas, em vez de tributarem os bens e serviços no local da sede das empresas, a tributação ocorrerá no local de consumo. Ou seja, a receita ficará em geral no local em que vivem as pessoas que pagaram pelos impostos, o que é muito mais justo.

“O Rio Grande do Sul como um todo deve ganhar com essa mudança porque nós consumimos mais do que produzimos, e o mesmo deve ocorrer com 80% dos municípios do estado. Mas, para prevenir riscos de perda de arrecadação com os outros 20%, haverá uma regra de transição gradual nos critérios de distribuição, que vai se processar em 50 anos. Ou seja, a fatia do bolo de alguns municípios será reduzida lentamente, ao longo de décadas, mas essa queda será compensada pelo crescimento do tamanho do bolo; ou seja, da arrecadação tributária, que cresce com a economia”, exemplifica o economista.

Outros pontos

  • Prevê alíquotas menores sobre consumo de itens como por exemplo serviços de transporte público, medicamentos, serviços de saúde, serviços de educação, e produtos agropecuários.
  • Profissionais liberais licenciados como advogados, engenheiros e contadores poderão pagar uma alíquota reduzida em 30% da taxa padrão. Como a maioria desses profissionais não é pessoa jurídica não para Imposto de Renda e os impostos pagam por eles não superam 10% do faturamento.
  • O texto cria uma “cesta básica nacional” com imposto zero e uma lista estendida, com uma tributação menor para outros produtos. Devem integrar a lista de produtos itens básicos como arroz, feijão, açúcar, sal, café e óleo, por exemplo.
  • Aeronaves e embarcações de luxo serão taxadas com o Imposto Sobre Veículos Automotores (IPVA) o que não acontece no sistema atual.
  • Será formado um Comitê Gestor com membros do governo federal, estados e municípios.
  • Para uma segunda etapa a ser enviada ao Congresso no ano que vem, será incluída uma espécie de cashback, ou seja, a devolução de imposto a pessoas que não têm renda e que não têm patrimônio no processo produtivo.

Verdade ou mentira?

O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Sérgio Gobetti, esclarece:

É verdade que o Brasil tem uma das maiores das cargas tributárias do mundo?

Não é bem verdade. O Brasil possui uma carga tributária que está estável em torno de 32% ou 33% do PIB há mais de uma década. Há muitos países desenvolvidos que possuem uma carga tributária bem maior do que essa, na casa dos 40% do PIB. Mas enquanto esses países tributam mais a renda, nós no Brasil tributamos muito o consumo. O ideal é que a gente conseguisse mudar essa composição de carga, mas isso leva tempo e requer outras mudanças, como as que serão discutidas no âmbito da reforma do imposto de renda. Além disso, quando falamos de carga tributária, é importante lembrar que o Brasil é um dos países em desenvolvimento com maior gasto social no mundo. Muitas vezes as pessoas não enxergam esse gasto, mas ele é expressivo, começando pelas aposentadorias e pensões do INSS, que hoje são o principal componente da despesa da União, somando mais de R$ 800 bilhões anuais, ou 8% do PIB.

É verdade que a reforma é fundamental para o ajuste das contas públicas como argumenta o governo federal?

Aqui há uma confusão. O governo não está dizendo que a reforma da tributação do consumo é essencial para o ajuste das contas, inclusive porque a reforma prevê a manutenção da carga tributária igual a hoje. Ou seja, o texto que está sendo aprovado prevê que as alíquotas serão fixadas de modo a manter a arrecadação dos novos impostos igual a hoje. E, por segurança, o Senado ainda está incluindo uma trava para a carga tributária, baseada na média dos últimos 10 anos. Logo, o problema das contas públicas, o desafio de eventualmente aumentar a receita, terá de vir de outras medidas, como a revisão dos benefícios fiscais atualmente vigentes.

Próximos passos

A expectativa é de que o relatório do Senador Eduardo Braga deve ser votado nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário do Senado Federal. Se o texto for alterado pelos senadores, retorna para nova análise da Câmara dos Deputados. O governo federal conta com a aprovação da proposta para ajudar no ajuste de contas públicas em 2024.

Compartilhe

Postagens Relacionadas