
Por Tatiane de Sousa – Jornalista
Depois de uma disputa acirrada a eleição para a Presidência da Argentina vai para segundo turno com dois candidatos em opostos campos ideológicos e propostas para a solução da crise econômica em que o País cada vez parece se afundar mais.
De um lado desse ringue, contrariando a maioria das pesquisas, o Ministro da Economia da Argentina Sergio Massa chega nessa etapa a frente já que obteve mais de 36% dos votos no primeiro turno. Do outro lado, o ultraliberal Javier Milei obteve mais de 30% dos votos dos argentinos.
Afinal, o que o Brasil tem com isso? Argentina é o terceiro maior destino das exportações brasileira e o principal comprador dos produtos do país vizinho. Levantamento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) mostra que em dez anos os envios de mercadorias para argentinos caíram 15% saindo de US$ 18 bilhões registrados em 2012 para US$ 15,3 bilhões em 2022.
De acordo com a Comex Stat, sistema para consultas e extração de dados do comércio exterior brasileiro, entre os produtos mais exportados para a Argentina estão máquinas e equipamentos de transporte; artigos manufaturados; químicos; matéria prima em geral e produtos alimentícios e animais.
Entre os produtos trazidos da Argentina para o Brasil estão setores atingidos em cheio pela crise e muitas empresas já migraram para outros países. Entre as importações estão produtos alimentícios; bebidas e tabaco; matéria prima; combustíveis minerais e óleo.
“A economia da Argentina é fundamental para o Brasil, tanto como comprador de nossos bens, como carros, como vendedora de alimentos. Milei prejudicaria os acordos existentes e poderia acabar com o Mercosul. Mas Massa, ainda que provavelmente mantenha relações mais próximas, talvez proponha medidas protecionistas, como já fizeram governos peronistas antes”, analisa o cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Rodrigo Stumpf Gonzalez.
Ele explica ainda que a posição diplomática brasileira é de não interferir em questões internas de outros países. Apesar disso, o Ministro da Fazenda brasileiro Fernando Haddad disse que uma possível eleição de Milei traz preocupação pela defesa do político de um rompimento com o Brasil e independência do Mercosul.
Com toques literários que vão do conto ao romance, o desfecho de mais um capítulo da novela Argentina terá resultado em 19 de novembro quando eleitores vão novamente as urnas para escolher o Presidente do país. Até lá, resta saber se eleitores da terceira colocada na disputa vão acompanhar o voto de Patricia Bullrich que declarou apoio a Javier Milei. Ela obteve 24% dos votos.
Também serão bem vindos os votos do também peronista Juan Schiaretti que ficou em quarto lugar na disputa (6,83%) e da advogada e ativista Myriam Bregman política trotskista que obteve 2,69% dos votos.
Quem são os candidatos

Sergio Massa: Com 51 anos o advogado, atual Ministro da Economia, representa a coligação Unión por la Patria. Foi deputado provincial, prefeito de Tigre, chefe da Administração Nacional da Previdência Social (Anses) e Chefe de Gabinete durante a Presidência de Cristina Kirchner com quem rompeu em 2013, mas voltou ao peronismo como deputado federal da província de Buenos Aires e ocupou a presidência da Câmara dos Deputados a partir de 2019.
Representante do centro-esquerda, a crítica que se faz é porque não adotou como Ministro a política que diz que será adotada se for eleito: “a maior solução que a Argentina tem é vender o que faz ao mundo e obter os dólares para tirar o Fundo Monetário Internacional [FMI] das suas costas”, defende.
Javier Milei: O ultraliberal tem 53 anos e chega ao segundo turno com votos de mais de 30% da população. Economista de formação, Milei promete a dolarização, a eliminação do Banco Central e redução do Estado com menos ministérios, obras públicas e privatização de estatais.
Além das costeletas e do cabelo arrojado que renderam o apelido de Leão, o candidato rejeita o comunismo, o socialismo e fez críticas contundentes ao Papa argentino Francisco. Milei vem sendo comparado a outros líderes da extrema-direita em outros países e disse ter afinidades com o ex-presidente dos EUA Donald Trump.
O que está em jogo nessa eleição
O cientista político Rodrigo Stumpf Gonzalez, explica que enquanto Milei tem propostas de caráter antiestatista, Massa, seria uma continuidade do atual governo.
“A eleição de Milei significaria um isolamento da Argentina no cenário internacional e um possível aprofundamento da crise econômica para a maioria da população, favorecendo a elite. Massa deve ter uma política mais moderada, mas terá pouca margem de manobra para propor reformas pela pressão das diferentes alas do partido. O que significa que com qualquer um dos dois não há uma saída a curto prazo para a crise que vive o país”, pondera.
Além das facetas dessas duas candidaturas, o que está em jogo nesta eleição é que, pela primeira vez em muitos anos, o país pode romper com o peronismo, movimento político, de caráter nacionalista e desenvolvimentista, surgido na liderança de Juan Domingo Perón, há mais de 50 anos.
Uma espécie de Getúlio Vargas dos argentinos, o coronel representou a classe trabalhadora em primeiro momento como promotor de reformas sociais e trabalhistas. Casado com Evita Péron icônica “mão das classes operárias” e a quem se atribui a frase “não chores por mim Argentina, Perón foi presidente por três mandatos e conseguiu o feito do desenvolvimento econômico e de distribuição de renda no país.
Após conturbado período da ditadura militar, nasce um novo peronismo, chamado agora de kirchnerismo desde a eleição de Nestor Kirchner em 2003 e dois mandatos de Cristina Kirchner. A única exceção foi a escolha de Maurício Macri, representante de direita que governou a Argentina de 2015 e 2019.
Mas os argentinos estão cansados da crise econômica e mantendo as muitas facetas do peronismo, Massa tenta descolar sua imagem dos Kirchner e, ainda que seja integrante do governo atual, tenta mostrar que fará diferente. Vencendo ou não, o peronismo mostra-se porém, mais uma vez multifacetado ou “em constante reforma”, caráter camaleônico que tem mantido a corrente política no poder por décadas.
“Não tem uma ideologia clara, tendo setores desde a extrema esquerda até a extrema direita. O Partido Justicialista é sua principal organização, mas é comum que peronistas descontentes com a liderança do momento concorram por outras legendas, como o próprio Massa já fez no passado”, ressalta Gonzalez.
Crises econômicas
No auge da campanha presidencial, a inflação chegou a 138,3% ao ano em setembro, com a subida dos preços em 12,7% conforme o Instituto Nacional de Estatísticas. Diante da situação, o poder de compra dos argentinos caiu vertiginosamente e a pobreza cresceu.
Informe de setembro do Instituto Nacional de Estadística y censos Republica Argentina, aponta que, no primeiro semestre de 2023, dos aglomerados urbanos 29,6% registraram famílias abaixo do limiar de pobreza; 40,1% da população reside lá. Dentro deste grupo, 6,8% dos domicílios estão abaixo da linha de indigência. São quase 3 milhões de domicílios e dentro desse grupo, 686.076 domicílios estão abaixo da Linha de indigentes, o que representa 2.724.942 indigentes.
Para conter a crise o país adotou nas últimas décadas diferentes fórmulas com a suspensão por cinco vezes do pagamento da dívida externa, pedidos de auxílios internacionais e dolarização da moeda.
Como um dos países mais ricos do mundo no início do século passado conseguiu chegar a essa miséria? Boa parte da explicação está na decadência da economia ao fim do regime militar que deixou como herança uma dívida com o FMI de US$ 42 bilhões em 1982, sete vezes mais do que em 1976.
Em 1989, a Argentina teve quase 5.000% de Índice de Preços ao Consumidor e, depois de incontáveis planos econômicos o Banco Central do país passou a fiscalizar a aplicação da Lei de Convertibilidade, que equiparava o peso argentino e o dólar.
As coisas melhoraram por um tempo, mas a insistência na política de um por um com a moeda americana não se sustentou e em 2001 o governo radicalizou bloqueando parte dos depósitos bancários da população. A crise se agravou com fechamento de comércios e o país se obrigou a decretar moratório de 144 bilhões de dólares.
No governo Kirchner as coisas se acalmaram, mas especialistas acusam a manipulação dos dados inflacionários. O problema foi o inchaço do gasto público mesmo no governo neoliberal de Macri e a manutenção de um dos maiores índices de subsídios do mundo.
No ano passado, o Banco Central da Argentina emitiu 740,5 trilhões de pesos o que torna inevitável a desvalorização da moeda. Assim como os preços, os salários precisam ser reajustados em curtos períodos para dar a população poder de compra e não tornar a crise ainda maior o que prejudica empregadores.