O que adoece as mulheres hoje? Violência e Lei Maria da Penha

Por Juliana Ramiro, psicanalista

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Imagem meramente ilustrativa

O adoecimento psíquico é uma realidade que atravessa toda a população, mas nunca de forma homogênea. Quando recortamos por gênero, raça ou classe social, percebemos nuances que impactam diretamente a forma como cada grupo vivencia o sofrimento. Neste texto – e ao longo do mês de março –, quero fazer um recorte de gênero. Afinal, o que adoece psiquicamente — mas não só — as mulheres hoje?

No mês de janeiro, foram divulgados os dados do Ministério das Mulheres sobre violência de gênero e eles trouxeram um alerta importante: a violência psicológica lidera as denúncias nos serviços de atendimento à mulher. O mesmo levantamento aponta o Rio Grande do Sul como o 5º estado com maior número de denúncias, além de indicar que as mulheres negras são as maiores denunciantes de violência doméstica no país. Esses números escancaram uma realidade dura: para muitas mulheres, o próprio lar se torna um ambiente de adoecimento psíquico. Afinal, a violência psicológica não ocorre no vazio – ela exige proximidade, um vínculo entre vítima e agressor.

Essa não é a única forma de violência que recai sobre as mulheres. Segundo o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Sinesp), apenas no ano de 2024, o Brasil registrou nove vítimas de estupro por hora. E esse dado representa apenas os casos denunciados – sabemos que há muitos outros que escapam das estatísticas, mas que fazem parte do cotidiano de milhares de mulheres.

Além disso, os principais agressores das mulheres não são desconhecidos. Eles estão dentro ou perto de casa: pais, irmãos, tios, avôs, amigos da família, vizinhos. Ainda assim, vivemos em uma sociedade que historicamente culpabiliza a vítima – seja pela roupa que usava, pelo local que estava ou pelo comportamento que teve. Mas a vítima nunca é responsável pela violência que sofre. A responsabilidade é do agressor e de um sistema que naturaliza essas violências, permitindo que elas se repitam.

Na Bélgica, uma exposição colocou em evidência essa realidade, exibindo as roupas que vítimas de violência sexual usavam no momento do crime. Qual era a roupa? Não importava – calças largas, vestidos discretos, uniformes escolares, roupas comuns do dia a dia. A mostra escancarou a falácia de que a vestimenta pode justificar uma agressão.

No Brasil, o ambiente profissional também reflete esse cenário. Nos últimos três anos, a Justiça do Trabalho julgou mais de 400 mil casos de assédio moral e sexual – crimes nos quais as vítimas, em sua maioria, são mulheres. Mesmo com campanhas pelo fim do assédio no ambiente corporativo, a cultura da impunidade ainda faz com que muitas vítimas sejam silenciadas.

O que todos esses números nos mostram? Que o adoecimento psíquico das mulheres hoje passa pelas suas relações – familiares, amorosas e de trabalho. E que o caminho para combater tanta violência começa na conscientização. Precisamos falar sobre o tema, educar homens e mulheres para que consigam diferenciar o amor da violência e buscar a responsabilização dos agressores.

Para aprofundar essa discussão, no episódio desta semana do Psi Por Aí, conversei com Fernanda Martins, professora universitária, doutora em Ciências Criminais pela PUC-RS e pesquisadora em gênero e teorias feministas. Um diálogo necessário sobre o impacto dessas questões na saúde mental das mulheres e os caminhos possíveis para um futuro mais equilibrado.

E te convido, ao longo deste mês de março, a ouvir outras mulheres no Psi Por Aí falando sobre a mesma temática. Seguimos refletindo sobre gênero, maternidade e violência.

Para preservar a identidade e privacidade dos pacientes, os casos apresentados neste artigo são reais, com seus personagens adaptados.


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  • Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br

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