
Como venho abordando neste mês de março, o adoecimento psíquico é uma realidade que atravessa toda a população, mas de forma desigual. No artigo desta semana, sigo com um recorte de gênero para refletir sobre o que adoece psiquicamente — e não só — as mulheres hoje.
Já discutimos maternidade e violência nas relações afetivas, mas há outro fator que impacta diretamente o cotidiano e a saúde mental das mulheres: a desigualdade de oportunidades.
Se olharmos para o mercado de trabalho, fonte tanto de gratificação quanto de frustração, encontramos um cenário desigual. Mulheres ganham menos, mesmo ocupando os mesmos cargos que os homens. Durante a pandemia, foram as que mais perderam seus empregos e, na falta de creches e escolas, assumiram a responsabilidade pelo cuidado dos filhos — e ainda foram cobradas por isso.
Mesmo acompanhadas, muitas vivem a maternidade como mães solo, enfrentando a chamada dupla jornada de trabalho: emprego formal somado ao trabalho doméstico e ao cuidado com os filhos, funções que demandam tempo e energia.
Na Argentina, há três anos, o governo reconheceu a dedicação das mulheres-mães e passou a considerar o cuidado com os filhos como tempo de serviço para aposentadoria. O projeto enfrentou críticas, mas evidencia um entendimento necessário: o reconhecimento desse trabalho invisibilizado.
A desigualdade também se manifesta na política, tanto em grandes decisões quanto nos pequenos detalhes. Apesar de as mulheres representarem mais da metade do eleitorado, sua presença nos cargos eletivos é desproporcionalmente baixa.
No Brasil, apenas 18% dos parlamentares da Câmara dos Deputados são mulheres, e no Senado esse percentual é de apenas 12%. Isso significa que as decisões sobre questões fundamentais para a vida das mulheres — como legislações sobre saúde e direitos reprodutivos — são tomadas majoritariamente por homens.
Até dezembro de 2015, não havia banheiro feminino no Plenário do Senado. As senadoras precisavam usar o banheiro do restaurante anexo ao Plenário. Pequeno detalhe? Talvez. Mas profundamente simbólico. O poder também se estabelece nos símbolos, e a existência de um banheiro para mulheres no coração do poder legislativo brasileiro significa, minimamente, que elas têm lugar ali.
O direito ao voto feminino completou 93 anos em fevereiro de 2025. Foram décadas de luta para que as mulheres pudessem exercer a cidadania plena. Ainda assim, a sub-representação feminina persiste. O Rio Grande do Sul, por exemplo, elegeu sua primeira deputada federal negra apenas nas últimas eleições — um avanço recente, que também denuncia um histórico de exclusão.
Todos esses dados refletem um cenário de desigualdade estrutural, que adoece as mulheres não apenas nos espaços de trabalho, mas também no exercício da cidadania. Vivemos em uma sociedade que, ao estabelecer suas relações de poder, massacra mulheres de diferentes formas, física e psiquicamente. Qual é a saída? O que tentei construir nesta série de textos: reconhecer os obstáculos, compreender contra o que estamos lutando e promover debates que possam levar às mudanças necessárias.
Para aprofundar essa discussão, no episódio desta semana do Psi Por Aí, conversei com Abigail Pereira, líder sindicalista, feminista, ex-secretária do Turismo do RS e, recentemente, vereadora em Porto Alegre. Convido você, ao longo deste mês de março, a ouvir outras mulheres no Psi Por Aí, refletindo sobre gênero, maternidade e violência. Seguimos na luta por um futuro mais igualitário.
Para preservar a identidade e privacidade dos pacientes, os casos apresentados neste artigo são reais, com seus personagens adaptados.
- Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br