
Há uma inquietação crescente em torno do debate de gênero e sexualidade nas escolas. Em tempos de conservadorismo moral e disputas simbólicas sobre o que deve ou não ser ensinado às crianças e adolescentes, falar sobre gênero se tornou, paradoxalmente, algo subversivo — quando, na verdade, é apenas educativo.
Neste artigo quero falar sobre a construção da identidade de gênero, da fluidez dos corpos e da urgência de abrir espaços de escuta, acolhimento e reflexão dentro da sociedade, em especial das instituições escolares. Se quisermos promover saúde mental entre os jovens, precisamos falar de gênero e sexualidade, pois a imposição de normas rígidas sobre o que é ser “menino” ou “menina” e com quem se deve relacionar-se adoece.
A linguagem é um dos primeiros vetores dessa normatividade. Ao nomearmos, organizamos o mundo — mas também limitamos. Os binarismos ainda dominam os registros, os formulários, os banheiros, os vocativos. Como esperar que uma criança ou adolescente que não se reconhece em nenhuma dessas caixinhas se sinta pertencente a um ambiente que nega a sua existência desde a linguagem?
Judith Butler, ao propor que o gênero é uma performance reiterada socialmente, nos ajuda a entender como os papéis de gênero são construídos. Somos ensinados a performar o masculino ou o feminino com base em expectativas sociais — do tom de voz ao tipo de brincadeiras permitidas. E é nesse processo que muitas subjetividades são anuladas.
Winnicott também nos auxilia: o “self verdadeiro” só pode emergir em um ambiente suficientemente bom. Mas o que é esse ambiente quando a escola reforça apenas um modelo possível de existência? Crianças e jovens precisam de espaços nos quais possam experimentar, errar, descobrir-se e ser — sem medo, sem vergonha e sem punição.
Falar de gênero e sexualidade na escola é falar de cuidado. É garantir que a experiência educacional não seja apenas sobre conteúdos, mas sobre existir com dignidade. Não se trata de “ensinar ideologia”, como acusam alguns discursos, mas de garantir que todas as crianças e jovens possam aprender e crescer sem carregar o peso de não caber em um modelo que nunca os contemplou.
Não existe neutralidade quando se trata de existir. E se a escola é o espaço de formação por excelência, que ela seja também espaço de escuta e transformação. Afinal, como nos lembra a psicanálise, só há cura onde há possibilidade de nomear o sofrimento — e nomear exige linguagem, exige espaço, exige escuta.
Para aprofundar a discussão, no episódio desta semana do podcast Psi Por Aí, converso com Renata S. Morales, doutora em Letras e professora. No programa, também apresentamos de forma didática o que significa a sigla LGBTQIAPN+ e trazemos algumas dicas de como a temática pode ser manejada em sala de aula.
Para preservar a identidade e privacidade dos pacientes, os casos apresentados neste artigo são reais, com seus personagens adaptados.
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- Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br