Dor, saudade e indignação: as histórias por trás dos jovens que perderam a vida na Lagoa dos Barros, em Osório

Litoral na Rede conversou com familiares das vítimas que morreram afogadas no último domingo

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Leonardo Oliveira, 21 anos, e Emanuel Cigolini, de 27, morreram no domingo (9) em Osório. Fotos: Divulgação / arquivo pessoal

por Talis Ramon

A tarde de domingo (9) terminou em tragédia na Lagoa dos Barros, em Osório. O que deveria ser um momento de lazer se transformou em desespero quando dois jovens desapareceram na água e não conseguiram mais retornar à superfície. O afogamento de Leonardo da Silveira de Oliveira, de 21 anos, e Emanuel Marques Cigolini, de 27, deixou famílias destroçadas e provocou questionamentos sobre a segurança no local.

Leonardo e Emanuel eram amigos e nadavam juntos na praia de água doce, conhecida como “Prainha da Puxada da Água”, quando acabaram submergindo. Testemunhas relataram que um deles começou a se afogar e o outro tentou ajudar. Ambos foram sendo tragados para o fundo. Um terceiro jovem, irmão de uma das vítimas, também estava na água, mas conseguiu escapar com o auxílio de banhistas.

A perda de ambos os jovens deixou marcas profundas nas famílias. Emanuel, pai de três filhos, incluindo uma bebê recém-nascida, partiu sem ter a chance de vê-la crescer. Leonardo, que morava com a mãe e irmãos, era peça fundamental no sustento da casa e iniciaria um novo emprego nos próximos dias.

Nos relatos feitos pela família à reportagem do portal Litoral na Rede, além da dor pela despedida precoce, há cobranças por medidas preventivas para evitar novas tragédias.

Mãe, 10 irmãos e uma dor irreparável

Amigos reuniram-se, ainda no domingo, para arrecadar recursos para a família de Leonardo, agora despedaçada e sem um dos principais alicerces financeiros da casa. Ele morava com três dos 10 irmãos. Nove deles também eram filhos de Marli Batista da Silveira, 60 anos, que morava com Leonardo e lamenta a partida precoce do filho. Ele estava desempregado, mas iniciaria nesta semana um trabalho como servente de obras.

Marli soube da tragédia através de um dos irmãos de Leonardo, que o acompanhava no momento de lazer na lagoa. Ela questiona a ausência de guarda-vidas no local, cobra a interdição do ponto da lagoa onde os afogamentos ocorreram e pede por justiça. Tudo isso em meio à dor pela falta do filho.

“[Leonardo] era brincalhão com os irmãos e principalmente comigo. Éramos muito apegados. Tudo que pedíamos ele fazia, nunca negava”, disse. “Queremos justiça. Aquele lugar tem que ser interditado. Não tinha nenhuma placa, nenhum guarda-vidas em um lugar que estava lotado”, complementa.

“Jogamos bola, brincamos um com o outro. Quando fui guardar a bola e fumar um cigarro, aconteceu o ocorrido”, lembrou o irmão Fabiano, 40 anos, que estava fora da água no momento da tragédia e afirma ter percebido quando seu outro irmão, Cassiano, pediu por socorro.

Leonardo morava com a mãe e tinha 10 irmãos. Foto: Divulgação / Arquivo pessoal

Nascimento e luto em menos de um mês

Dor e indignação marcam os dias de Bianca Nunes da Silva Cigolini, de 27 anos, desde o momento da tragédia. Esposa de Emanuel, a dona de casa relembrou, ainda em meio ao sofrimento pela perda do companheiro, a trajetória do marido.

“O Emanuel era um excelente homem, amigo, pai. Tinha um coração enorme, não guardava mágoa de ninguém, sempre estendeu a mão ao próximo e, por ser uma pessoa incrível, sempre foi amado por muitos”, relatou Bianca ao Litoral na Rede.

Casados há uma década, o casal construiu uma família com três filhos: Kaleby, Yasmim e a pequena Agatha, nascida há apenas três semanas, que não terá a oportunidade de crescer sob os ensinamentos do pai, que sustentava a família trabalhando como motorista de veículo por aplicativo.

“Nos conhecemos na igreja. Eu fui louvar em um culto e ele tocava bateria. Depois de vários encontros, começamos a conversar, namorar e casamos”, relembra.

Bianca conta que Emanuel trabalhava fazendo fretes e, apesar da rotina cansativa, sempre dedicava tempo para a família. “Mesmo chegando cansado do trabalho, ele tirava um tempinho para brincar com as crianças. Era um pai presente, amoroso”, garante.

Segundo relatos de testemunhas, Emanuel foi puxado para baixo d’água no momento em que percebeu que o amigo estava se afogando. Nas palavras de Bianca, o marido morreu tentando salvar a vida de Leonardo.

“As bombas estavam ligadas e um buraco praticamente puxou eles. Isso me deixou arrasada, saber que ele e o amigo sofreram devido a esse descaso. As bombas não deveriam estar ligadas e também não havia placas de sinalização”, denuncia.

“Eu sei que nada vai trazer meu esposo de volta. Ele tentou salvar o amigo e, infelizmente, se foram juntos. O que nos deixa arrasados é a forma trágica como eles se foram”, lamenta.

Emanuel ao lado da esposa, Bianca, que à época estava grávida, e dos dois filhos do casal.

O que diz a prefeitura

O local onde Emanuel e Leonardo morreram é conhecido pela presença de bombas de sucção do sistema de irrigação das lavouras de arroz da região. Usar as águas de rios e de lagoas para irrigar as lavouras de arroz é um procedimento comum na região litorânea do Rio Grande do Sul.

O Litoral na Rede contatou a assessoria de comunicação da Prefeitura de Osório e questionou quais medidas foram adotadas após a fatalidade. Também citou o relato das famílias da vítima que se queixaram de falta de sinalização no local.

Em nota, o Executivo afirmou que, desde o momento que tomou conhecimento do ocorrido, por meio da Secretaria de Assistência Social, prestou atendimento aos familiares. Um dos serviços disponibilizados, conforme a prefeitura, foi o auxílio-funeral destinado às famílias de baixa renda.

No dia seguinte à tragédia, o prefeito de Osório, Romildo Bolzan Júnior, e o vice-prefeito, Ed Moraes, reuniram-se com o comandante do pelotão do Corpo de Bombeiros Militar do município, tenente Valdecir Ambrósio, para debater o assunto.

“Na ocasião, foi entregue um ofício solicitando ao órgão que identifique os pontos de risco para banho nas lagoas do município de Osório, especialmente, naquelas em que ocorrem a retirada (puxada) de água com bombeamento”, diz a nota. “No mesmo documento, é solicitado que seja informado sobre o tipo e quantidade de sinalização educativa e de advertências necessárias para tais locais, a fim de alertar os usuários visando a segurança dos munícipes”, acrescenta.

Em paralelo ao levantamento solicitado ao Corpo de Bombeiros Militar (CBMRS), a prefeitura afirma que notificará todos os responsáveis pelos bombeamentos de água (puxadas) já identificados nas lagoas do município, no sentido de que os locais sejam adequadamente sinalizados.

Chinelos de uma das vítimas ficaram às margens da lagoa. Foto: Divulgação / CBMRS

O que diz a Polícia Civil

Procurado pela reportagem do portal, o delegado João Henrique Gomes de Almeida, titular da delegacia de Osório, disse que foi instaurado um inquérito policial e que as causas das mortes por afogamento serão apuradas no decorrer das investigações.

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