Deu a louca no tempo: o que está por trás disso?

RS enfrenta chuva em excessos e temporais nos últimos meses, Centro-Sul do Brasil tem calor extremo; por Tatiane de Sousa - Jornalista

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Caraá, julho de 2023. Foto: Ticiano Kessler / Litoral na Rede / Arquivo

Temperaturas extremas com termômetros marcando acima de 40 graus atingem cinco estados do Brasil. Seca no Nordeste. Tempestades no Litoral Norte gaúcho deixam mais de 100 casas destelhadas em Santo Antônio da Patrulha, pessoas desabrigadas, postes e árvores caídas e escolas fechadas. Em Arroio do Sal, o vendaval atingiu residências e prédios públicos e deixou destruição pelas ruas.

Os acontecimentos descritos aqui são do último fim de semana. Dessa vez, não há registros de feridos ou mortos como nas ocorrências dos meses anteriores, quando mais de 60 pessoas morreram no Rio Grande do Sul pelos temporais de ventos, chuvas e granizo que provocaram deslizamentos e enchentes. Essas não são notícias sobre um futuro distópico e distante como em filmes dos anos 90.

As perguntas que as pessoas se fazem continuamente é “o que está acontecendo e o que eu tenho com isso?”

Cientistas do observatório europeu Copernicus mostraram em estudo recente que 2023 terminará como o ano mais quente registrado em 125 mil anos. Se o fim do mundo está próximo nenhum ser místico pode ser culpado: apesar de os avanços nas catástrofes em todo o mundo causadas pelas mudanças climáticas terem se agravado nos últimos anos, elas são causadas em sua maioria pelo aquecimento global resultado das contínuas e crescentes emissões de gases com efeito estufa.

Natalie Unterstell, diretora do think tank Talanoa, dedicado às políticas de mudança do clima no Brasil, explica que é inegável que vão acontecer mais episódios extremos, porém, apesar de todos os avanços científicos, ainda não há como saber quando e como vão acontecer. A pesquisadora ressalta ainda que no Brasil há o agravante de despreparo para lidar com essas mudanças. “Vivemos com a pecha de que “moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, parafraseia a música de Jorge Bem Jor.

Para quem ainda se questiona sobre o quem tem com isso, a mestre em administração pública esclarece: “A mudança do clima é uma questão para o futuro, mas é sim uma preocupação da geração atual também. Os mais novos, da geração chamada Z, estão muito preocupados inclusive porque a previsão é de dificuldades de vida extremas se continuarmos nesse ritmo de emissão de gases. No entanto, como estamos vendo, as consequências já estão acontecendo”.

Para entender: os gases de efeito estufa são as emissões contínuas de dióxido de carbono, presentes principalmente na queima de combustíveis fósseis como gás, carvão e petróleo.

Desde 2015, vários países incluindo o Brasil, se comprometeram ao assinar o “Acordo de Paris”, a reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Essa redução de acordo com estudos, provocaria a limitação do aumento da temperatura em 2 graus com uma estagnação nesse crescimento até 2050.

Apesar das promessas, a média global de temperaturas do ar no mês de outubro desse ano foi 0,4°C mais alta que o recorde anterior de outubro de 2019, de acordo com o serviço de mudanças climáticas da União Europeia.

“Essa descarbonização não é fácil porque precisa de ações em vários níveis desde o coletivo como sociedade, de governo e ações individuais. E aqui o papel individual não é desprezível porque hoje com redes sociais cada indivíduo é capaz de uma grande ronda, de espalhar bons ou maus hábitos e é aqui que a gente consegue perceber mudanças reais, como por exemplo, com mais pessoas utilizando bicicletas para se locomover ou com a redução do consumo de carne que na produção também é geradora de poluentes. Da geração Z (nascidos na primeira década do século XXI), 20% são veganos ou vegetarianos. Essas são ações espontâneas e individuais, mas com impactos importantes para todos”, acrescenta Unterstell.

Outra preocupação urgente é com o desmatamento na Amazônia: o relatório mais recente apresentado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que em um ano a área desmatada teve uma redução de pouco mais de 22%. Apesar de comemorarem os resultados, pesquisadores alertam que os números ainda são insatisfatórios e não basta ação dos fiscais in loco, são necessárias medidas de contenção legal. A degradação da floresta é resultado da extração ilegal de madeira e do garimpo. A devastação torna o clima ainda mais favorável as queimadas.

A diretora do think tank Talanoa aponta que o desmatamento é percebido em todos os biomas do país e se deve a ocupação irregular ou mau uso das terras. “A sociedade também é responsável por isso, essa não é uma situação distante quando a maior parte da madeira retirada de forma irregular é consumida no próprio país. Investir em transporte mais amigável é uma responsabilidade governamental, mas também de quem consome o transporte público ou veículos próprios”.

Para quem insiste que não tem nada com esse assunto os impactos começam a ser sentidos na pele e urge a necessidade de medidas para se adaptar aos extremos urgentes. Pessoas já estão morrendo por causa dos efeitos do calor, rebanhos inteiros devastados e lavouras perdidas. Além da saúde pública poder entrar em colapso, a escassez de alimentos e água afetam o bolso dos consumidores exigindo que governos adotem ações de mitigação de problemas de saúde e até as construções estão sendo pensadas de forma a amenizar o calor. Não há dúvida de que num ambiente com carência de recursos serão as populações mais pobres que vão sofrer.

No final do mês acontece em Dubai, a COP 28, conferência do clima da ONU. O assunto principal será como lidar com os efeitos já visíveis da mudança global do clima e se preparar para os impactos futuros. E mais uma vez será preciso coragem para cobrar dos países mais ricos um plano de desenvolvimento mais sustentável.

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