
Hoje em dia, é cada vez mais comum que pacientes cheguem ao consultório com uma queixa semelhante: episódios de falta (ou excesso) de ar, dor no peito, um medo avassalador, sensação de perda de controle e até a certeza de que vão morrer. Esses episódios costumam ser identificados como crises de pânico. Mas, para a psicanálise, o pânico diz respeito a algo mais profundo: uma experiência de desamparo.
O que é o desamparo? Para a psicanálise, o desamparo é a sensação mais primitiva e angustiante que um ser humano pode vivenciar. E ela começa no nascimento.
Dentro do útero, o bebê vive em um ambiente ideal — morno, protegido, com todas as suas necessidades atendidas instantaneamente. Ao nascer, esse mundo perfeito desaparece abruptamente. O bebê sente frio, fome, dor. A respiração muda, a pele é tocada, é preciso usar roupas. É uma ruptura física e psíquica violenta. E, até que alguém compreenda suas necessidades e o acalme, o bebê se sente completamente desamparado.
Com o tempo, quando as figuras de cuidado respondem com constância e afeto, o bebê aprende a confiar no meio: sente que, mesmo que o desconforto surja, ele será acolhido. Mas e quando essa confiança falha? Quando esse acolhimento demora ou é ausente? A sensação de desamparo pode se fixar no psiquismo, e a criança carrega isso consigo – ainda que inconscientemente – por toda a vida.
A crise de pânico é, portanto, a reedição desse desamparo primordial. É o corpo que reage como o de um bebê recém-nascido, sem palavras, sem explicações, sem chão. O sujeito revive, de forma intensa e fora de contexto, o medo de não ser amparado – e isso gera uma angústia quase insuportável.
Mas isso significa que os pais falharam? Que o bebê não foi amado o suficiente? Não necessariamente. A verdade é que cuidar de um bebê é uma tarefa desafiadora. Ninguém nasce pronto para isso – nem o bebê, nem seus cuidadores. Às vezes, os adultos não estavam emocionalmente disponíveis, estavam adoecidos, sobrecarregados, ou simplesmente tentando fazer o seu melhor com o que tinham. São suposições possíveis, e cada história é única.
A boa notícia é que é possível ressignificar o desamparo. Através da terapia, é possível elaborar essas experiências precoces, compreender suas raízes e, com o tempo, diminuir – ou até cessar – as crises de pânico. Não é um caminho rápido como o de um remédio, mas é profundo, eficaz e transforma a forma como o sujeito se percebe no mundo.
Ver o mundo com novos olhos — isso acalma. E é isso que a psicanálise pode oferecer.
Te convido a refletir mais sobre este e outros temas acompanhando os episódios do Psi Por Aí, disponíveis no YouTube e no Spotify. E claro, siga também o Psi Por Aí nas redes sociais. Aceito sugestões de temas! Até a próxima semana.
- Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br