
Nos últimos dias, dois fenômenos chamaram atenção nas redes sociais, revelando os paradoxos do nosso tempo: de um lado, o vídeo do influenciador Felca denunciando a adultização de crianças expostas por pais e mães na internet; de outro, a notícia curiosa (e preocupante) de adultos usando chupetas para aliviar ansiedade, prática que vem sendo vendida como “tendência” em alguns espaços online. Para mim, são sintomas de uma mesma lógica: cultuamos crianças que parecem miniadultos e, ao mesmo tempo, cultivamos adultos que se comportam como crianças. Estamos invertendo as etapas da vida — e adoecendo.
No vídeo que viralizou, Felca questiona o conteúdo sexualizado feito por famílias com suas filhas pequenas: roupas, coreografias, poses, enquadramentos “adultos” que transformam crianças em “personagens” para agradar o público — às vezes com dezenas de milhões de seguidores. Ele denuncia não só o risco de exposição (inclusive a predadores!), mas a normalização dessa erotização infantil.
Na outra ponta, viralizam vídeos de adultos usando “chupeta terapêutica” como estratégia para reduzir a ansiedade. Alguns profissionais chegaram a defender que o “bico” funcionaria como objeto de regulação emocional, como substituto oral para comer compulsivamente ou roer unhas. Outros, entre eles psicanalistas, acenderam o alerta: será que estamos incentivando a infantilização psíquica do adulto como solução para a angústia?
Vejo aí uma sociedade de valores invertidos: queremos crianças apressadas e adultos retardatários. E o resultado é: sujeitos que perdem a chance de viver cada fase do desenvolvimento com a inteireza necessária — e adoecem.
Sandor Ferenczi, psicanalista húngaro, dizia que uma criança que tem sua infância “bicada”, violentada (pela erotização, pela adultização, pelas pressões) amadurece antes da hora — e apodrece rápido. É o fruto que não sustentou o seu tempo de ser. Do outro lado, como explicam os psicanalistas kleinianos, o bebê precisa da boca, do seio materno como fonte de nutrição e acolhimento. A chupeta ocupa o lugar simbólico do “seio bom”. Mas, quando o desenvolvimento acontece de forma saudável, o bebê abandona esse objeto e encontra outras formas de apaziguar sua angústia: pelo brincar, pela linguagem, pelos vínculos.
Um adulto dependente de chupeta busca, no fundo, um alívio que não encontrou dentro de si. Está tentando amparar, por fora, a falta de amparo psíquico que nunca foi construída dentro.
A criança adultizada de hoje é o adulto de chupeta de amanhã. E isso — embora pareça distante — acontece bem perto de nós, na rotina da casa, na naturalização de conteúdos, na pressa de fazer a criança “render” socialmente, e na dificuldade dos adultos em sustentar sua própria função adulta.
Criança precisa brincar. Adultos precisam suportar ser adultos. A internet pode ser espaço de convivência, sim — mas que seja mediado, consciente, sem roubar das crianças suas etapas e nem servir de fuga para as dores de quem cresceu.
Te convido a refletir mais sobre este e outros temas acompanhando os episódios do Psi Por Aí, disponíveis no YouTube e no Spotify. E claro, siga também o Psi Por Aí nas redes sociais. Aceito sugestões de temas! Até a próxima semana.
- Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br










