Espetáculo da “Geraldona”: pesquisadores flagram sequência de saltos da matriarca dos botos da Barra do Rio Tramandaí

Equipe do projeto Botos da Barra registou momento especial da fêmea que ensina seus filhotes a capturar tainhas em parceria com os pescadores; veja a galeria de fotos

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Geraldona é a matriarca dos botos da Barra do Rio Tramandaí. Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra – Ceclimar/CLN/UFRGS)

A matriarca dos botos da Barra do Rio Tramandaí, entre Tramandaí e Imbé, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, estava inspirada nesta semana. A veterana “Geraldona” fez uma sequência de saltos, ficando com todo o corpo fora da água, encantando quem estava às margens do rio. A fêmea da espécie Boto-de-Lahille (Tursiops gephyreus) se exibiu acompanhada do seu último filho, batizado de “Furacão” pelos pescadores artesanais.

A equipe de bolsistas pesquisadores do projeto Botos da Barra, do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) do Campus Litoral Norte (CLN) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que realiza o monitoramento dos botos e da pesca cooperativa, flagrou o momento. A estudante de Biologia Marinha, Heloise Martins, que integra o projeto, sacou a câmera fotográfica e fez uma sequência de cliques da Geraldona, esbanjando disposição com aproximadamente 40 anos de idade.

“A Geraldona, do nada, saiu de dentro da água e deu um salto muito grande, ela fez muita força para sair [da água]. Ela é muito grande, os botos-de-Lahille podem medir até quatro metros e pesar até 400 quilos. Só que de longe a gente não acha que eles são tão grandes assim”, disse Heloise ao Litoral na Rede.

“Ela deu uns três saltos consecutivos e o pessoal que estava assistindo ficou muito feliz. Foi muito lindo ver a reação das pessoas e ver a Geraldona assim de perto”, contou a estudante que estava junto com outras três colegas no Guia Corrente, em Imbé.

Veja as fotos registradas na tarde de terça-feira (09)

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Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra - Ceclimar/CLN/UFRGS)
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Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra - Ceclimar/CLN/UFRGS)
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Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra - Ceclimar/CLN/UFRGS)
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Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra - Ceclimar/CLN/UFRGS)
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Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra - Ceclimar/CLN/UFRGS)

A matriarca dos botos

Conforme o projeto Botos da Barra, Geraldona é a filha mais velha da Manchada, outra fêmea que frequentava o estuário do Rio Tramandaí.  Desde o início da década de 1990, é descrita pelos pescadores artesanais como “o boto que melhor trabalha”, e segue sendo uma das preferidas na interação cooperativa.

Ao longo das últimas quatro décadas, os pescadores e pesquisadores já viram Geraldona com oito filhotes diferentes. Cinco deles ainda interagem com os tarrafeiros na barra: Rubinha, Chiquinho, Flechinha, Ligeirinho e Furacão, este último nascido em 2019.

Até aquele ano, ela sempre era vista com Ligeirinho, que nasceu em 2016. Até hoje, Furacão segue sempre junto à mãe, como aconteceu nesta semana.

“Pelo menos nos três primeiros anos de vida, o filhote sempre fica coladinho com a mãe, porque ele aprende comportamentos, os assobios para se comunicar embaixo da água. Eles sempre estão nadando juntinhos, porque a mãe ensina o filhote, também como mostrar para o pescador que tem cardume de peixe na frente dele. Esse contato corporal indica uma relação de parentesco, atenção e carinho que a Geraldona tem com os filhotes”, disse Heloise.

Geraldona e o caçula Furacão. Foto: Heloise Martins / Projeto Botos da Barra – Ceclimar/CLN/UFRGS)

Para os cientistas, a presença constante dessa espécie de golfinhos na Barra do Rio Tramandaí e a interação com os pescadores estão ligadas a uma transmissão cultural de uma geração para outra, em que Geraldona tem papel fundamental.

“Provavelmente ela aprendeu com a sua mãe, a Manchada, uma fêmea que frequentou a Barra até a década de 90 e está agora passando os ensinamentos para os seus filhotes. Algo muito interessante é que essa transmissão cultural está fazendo com que essa linhagem permaneça e cresça muito rapidamente”, destaca o biólogo, professor da UFRGS e coordenador do projeto Botos da Barra, Ignacio Moreno.

Segundo o pesquisador, especialista em animais marinhos, essa transmissão cultural garante o sucesso reprodutivo da espécie na região. “Esse ensinamento é que faz ter um sucesso reprodutivo tão grande, que os filhotes continuem vivos, crescendo bem, se desenvolvendo e não saiam daqui, porque eles estão bem adaptados à realidade local, encontram comida, abrigo e se desenvolvem de forma muito adequada”, explicou.

Ignacio Moreno alerta, por outro lado, para a importância da preservação dessa tradição. “Num ambiente tão urbanizado, que cresce rapidamente, de forma desordenada, botos estão se adaptando e conseguindo sobreviver. Mas tudo tem um limite, a gente não sabe até onde”, concluiu.

Veja também: 

Vídeo: espetáculos dos botos marcam início do outono no Rio Tramandaí

Equipe do projeto Botos da Barra flagra “pescaria” do caçula de Geraldona

Pesca cooperativa

Foto: Litoral na Rede / Arquivo

Atualmente, pelo menos 14 golfinhos frequentam a Barra do Rio Tramandaí. O outono é o período do ano em que ocorre a maior interação entre botos e pescadores. É também nesta época que aumenta a chance de ver esses animais bem de perto, livres na natureza. “Essa é uma estação muito importante para os pescadores artesanais profissionais de tarrafa, para os botos-de-Lahille e para ocorrência da pesca cooperativa”, informou o projeto Botos da Barra.

Entre os meses de abril e junho, ocorre a temporada da “corrida da tainha”. “Nesse período, as tainhas migram em grandes cardumes, dos estuários em direção ao mar para desovar – atravessando os estuários e seus canais de maré, como a Barra do Rio Tramandaí”, explica a equipe do Botos da Barra.

Na pesca cooperativa, os animais apontam aos pescadores a localização dos cardumes e aproveitam o lançamento das tarrafas para garantir a sua alimentação.

O boto-de-Lahille é uma espécie que habita águas costeiras próximas à zona de arrebentação, baías costeiras e águas adjacentes de estuários e lagoas costeiras nos estados do Sul do Brasil, no Uruguai e em parte da Argentina.

É conhecida pela sua interação com pescadores de tarrafa. Sua categorização como uma espécie ameaçada de extinção é justificada pela existência de poucos indivíduos que têm uma distribuição restrita e muito próxima das regiões costeiras, sofrendo com a pressão das atividades humanas.

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