
Nos últimos dias, pelo menos dois episódios trágicos ganharam repercussão nacional: o acidente com um balão em Santa Catarina e a morte de uma jovem brasileira que caiu em um vulcão durante uma trilha na Indonésia. Em comum entre as vítimas, o desejo de viver intensamente: buscar experiências, realizar sonhos, sentir a adrenalina de momentos intensos.
Quando notícias assim atravessam nossas timelines, elas nos tocam de um jeito particular. Talvez porque nos vemos um pouco naquelas pessoas. Também gostamos de viajar, de sentir o frio na barriga ao dirigir o carro mais rápido, de experimentar o novo, o radical, o surpreendente. A linha entre o prazer e o risco parece – e é – sutil.
Na psicanálise, Freud propôs, em sua segunda tópica, o conceito de pulsão – forças que nos movem internamente. E elas são duas, a pulsão de vida (Eros), ligada à criação, ao prazer e à continuidade da vida; e a pulsão de morte (Thanatos), voltada à repetição, à descarga de tensão e à destruição.
O mais interessante é que essas pulsões não são opostas que se anulam – elas caminham lado a lado, coexistindo e se entrelaçando. O mesmo ato pode conter em si as duas forças e, dependendo de para onde a cena caminha, uma das pulsões prevalece, ganhando o jogo.
Lacan, outro pensador da psicanálise, fala sobre o gozo – um prazer para além do prazer, um excesso que ultrapassa o limite do que é suportável e nos aproxima da dor e, muitas vezes, da morte. Um exemplo? Os esportes radicais. Dão prazer, é claro. Mas esse prazer também carrega um flerte com o risco. É vida ou é morte? É gozo.
Podemos pensar também em algo cotidiano como a alimentação. Comer é essencial para viver, mas comer em excesso pode nos adoecer. Estamos cada vez mais empurrando os limites do viver para sentir que estamos realmente vivos. Mas por quê?
É possível que estejamos, como sociedade, vivendo os extremos: de um lado, a apatia, a depressão, a ansiedade paralisante. De outro, a busca desenfreada por intensidade, adrenalina, experiências-limite. Talvez sejamos todos sobreviventes tentando não morrer por dentro — e alguns, na tentativa de viver demais, terminam mais próximos da morte do que da vida.
Equilibrar essas pulsões é um desafio humano. Os excessos, em qualquer direção, são sempre sintomáticos — revelam algo mais profundo, um desajuste, um pedido de ajuda ou de sentido. Como diz a frase atribuída a Verissimo: “Embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.” E talvez, quero provocar a reflexão aqui: quem vive demais, esteja tentando morrer.
Te convido a refletir mais sobre este e outros temas acompanhando os episódios do Psi Por Aí, disponíveis no YouTube e no Spotify. E claro, siga também o Psi Por Aí nas redes sociais. Aceito sugestões de temas! Até a próxima semana.
- Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br