Estamos anestesiando nossos sentimentos com medicamentos?

Por Juliana Ramiro, psicanalista

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Imagem meramente ilustrativa. Foto: Artem Podrez, por Pexels

Vivemos em uma sociedade que valoriza a velocidade, a produtividade e a busca por soluções imediatas. Não surpreende, portanto, que muitos procurem nos medicamentos psiquiátricos uma espécie de “fórmula mágica” para lidar com o sofrimento psíquico. Essas pequenas pílulas parecem prometer alívio rápido, mas a que custo? Será que estamos tratando as causas ou apenas silenciando os sintomas?

O sintoma, na psicanálise, é um sinal. Ele nos aponta para algo que não está bem, uma ferida emocional ou um conflito interno que precisa de atenção. No entanto, quando recorremos exclusivamente aos medicamentos, muitas vezes acabamos anestesiando esse sinal, sem tratar a raiz do problema. O que se busca, frequentemente, é rapidez e eficiência — uma promessa sedutora em um mundo que não tolera a pausa ou o erro.

Não há dúvida de que os medicamentos têm um papel importante no tratamento de transtornos mentais. Em muitos casos, eles são necessários para estabilizar o paciente e possibilitar o início de um processo terapêutico. Contudo, é fundamental reconhecer que os medicamentos são apenas uma parte do cuidado, e não uma solução completa. Sem a devida terapia para trabalhar as causas subjacentes, a tendência é que as doses aumentem com o tempo, assim como os efeitos colaterais e a dependência.

Esse consumo exacerbado de medicamentos não é um fenômeno isolado. Ele está profundamente enraizado no sistema capitalista, que nos vende a ideia de que é possível alcançar a felicidade constante de forma rápida e fácil — mesmo que seja uma felicidade artificial. A lógica do mercado farmacêutico muitas vezes prioriza o lucro em detrimento do cuidado integral ao indivíduo. Isso se reflete no crescimento desenfreado da medicalização, especialmente quando ela não é acompanhada de um suporte emocional e psicológico adequado.

Quanto mais medicamentos usamos sem tratar a verdadeira causa do sofrimento, mais adoecidos nos tornamos. Os efeitos colaterais físicos e emocionais podem se acumular, e o sujeito acaba cada vez mais distante de sua essência, de sua capacidade de sentir, de viver plenamente. Nesse processo, o medo de sentir e enfrentar a dor se intensifica, e os remédios passam a ocupar o lugar de uma anestesia permanente para o que deveria ser enfrentado.

Por outro lado, defendo o uso consciente e responsável dos medicamentos psiquiátricos. Eles podem, sim, ser aliados valiosos quando prescritos com cuidado e acompanhados de um processo terapêutico que permita ao sujeito olhar para suas feridas. A terapia ajuda a desenvolver a capacidade de sentir, sem medo de desintegrar, sem recorrer à anestesia para evitar o sofrimento.

Sentir é parte essencial da experiência humana. A tristeza, a dor, a angústia — por mais difíceis que sejam — nos ajudam a compreender nossas limitações, nossos desejos e a própria condição de sermos humanos. Ao aprender a sentir, ganhamos força para lidar com nossos conflitos internos e, paradoxalmente, encontramos uma felicidade mais genuína, que não é constante nem perfeita, mas verdadeira.

Aproveito para convidar você a ouvir o episódio da semana no podcast Psi Por Aí, no qual recebo Célia Chaves, farmacêutica e Diretora do Sindifars – Sindicato dos Farmacêuticos no Estado do RS, para debatermos essa temática. Célia é integrante do Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos e vamos refletir sobre o papel dos medicamentos, o impacto do consumo excessivo e as possibilidades de um cuidado mais humano e consciente.


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