61 socos. Quando isso começou?

Por Juliana Ramiro, psicanalista

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Homem desferiu 61 socos em sua companheira dentro de um elevador. Imagem: reprodução redes sociais

Nos últimos dias, um fato chocou — ou deveria ter chocado — o país: um homem desferiu 61 socos em sua companheira dentro de um elevador. O motivo alegado? Ciúme. A justificativa? Injustificável.

A violência contra a mulher é um tema que invade o consultório com frequência. E é também uma ferida aberta em nossa sociedade. Todas as mulheres, em algum momento da vida, já enfrentaram algum tipo de violência pelo simples fato de serem mulheres. Pode ter sido uma ameaça velada, uma cantada constrangedora, um salário desigual, uma pergunta invasiva, pequenos abusos cotidianos… ou, ainda, formas mais graves de agressão física, psicológica, patrimonial ou política.

Essas violências, infelizmente, não são exceções. Elas são sistematicamente validadas e autorizadas em nosso tecido social. E é doloroso admitir: a maioria de nós, mulheres, fomos educadas — e seguimos educando — para aceitar a violência, a diferença, a desigualdade.

Educamos nossas filhas para serem vítimas? Sim. Quando exaltamos a vaidade acima da autonomia, quando oferecemos maquiagens ao invés de escolhas, quando ensinamos que mulher deve ser delicada, educada, sentar de pernas fechadas, falar baixo, vestir rosa, fazer “coisas de menina” e aguardar passivamente o príncipe encantado… estamos formando sujeitos que acreditam que submissão é amor. E não é.

Em palestras que costumo realizar nas escolas no mês de março, vejo o susto nos olhos de adolescentes quando digo que pedir a senha do celular, regular amizades, decidir com que roupa a menina pode ou não sair não são atos de amor — são atos de violência. São os primeiros passos de um caminho que pode terminar, por exemplo, com 61 socos no rosto de quem se diz amar. Posse, controle e aprisionamento não são amor. São violência.

E como se não bastasse a brutalidade em si, ainda enfrentamos discursos de profissionais da psicologia e da psicanálise que, por vezes, culpabilizam a vítima. Distorcem conceitos como masoquismo ou complexos psíquicos para tentar justificar o injustificável. Não. A violência não encontra respaldo teórico. O que existe é um contexto social opressor, desigual, violento com o feminino. Sim, algumas mulheres aceitam mais, expõem-se mais, permanecem mais — por uma série de razões subjetivas e sociais. Mas a culpa nunca é da vítima.

A você, mulher que me lê: se está em uma relação — com um parceiro, um irmão, um pai, um filho — e percebe sinais de violência, entenda: isso nunca termina bem. Você merece respeito, merece ser feliz, merece uma vida segura e relações saudáveis.

E a você, mãe, pai ou responsável por uma menina: ensine com afeto e respeito. Como diz a escritora indiana Rupi Kaur, “quando batemos em nossas filhas dizendo que fazemos isso por amor, elas crescerão buscando esse tipo de amor em outros homens.”

Te convido a refletir mais sobre este e outros temas acompanhando os episódios do Psi Por Aí, disponíveis no YouTube e no Spotify. E claro, siga também o Psi Por Aí nas redes sociais. Aceito sugestões de temas! Até a próxima semana.

  • Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura. E-mail: admin@julianaramiro.com.br

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